quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A OBSCENA SENHORA D - Hilda Hilst

"(...)
escute, Senhora D, se ao invés desses tratos com o divino, desses luxos do pensamento, tu me fizesses um café, heim? E apalpava, escorria os dedos na minha anca, nas coxas, encostava a boca nos pelos, no meu mais fundo, dura boca de Ehud, fina úmida e aberta se me tocava, eu dizia olhe espere, queria tanto te falar, não, não faz agora, Ehud, por favor, queria te falar, te falar da morte de Ivan Ilitch, da solidão desse homem, desses nadas do dia a dia que vão consumindo a melhor parte de nós, queria te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento, dessa coisa que não é existe mas é crua, é viva, o Tempo.
(...)."

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.

Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham.

Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Fragmentos de mim

«Ela diz que é o contrário,

que ela não pode esquecê-lo,

que a partir do momento em que não se passa nada entre eles,

fica a memória infernal daquilo que não acontece.»

Marguerite Duras

Doía

Quando a urgência sobrepõe a contemplação. . .

Fica,
faça,
ande!

O que resta é angústia e a sensação dolorida de tudo
o que nunca ficou,
fez
ou andou.






domingo, 18 de agosto de 2013

Aflora

Nem me importo tanto assim
Só penso em você nas noites frias ou em dias quentes pra mim

Talvez nem seja tudo isso, enfim
Quem sabe não passe e, como sempre e para sempre, tenha um fim?

Nem me incomodo tanto, não
Sonhar com você só acontece em dias úteis e inúteis, Paixão?!

Aos 30 ou aos 15, tanto faz
A gente pensa que sabe lidar, mas perde a razão quando alguém tira a nossa paz

Deixa aflorar, tudo bem
Porque eu sei o que quero, só ainda não falei....