quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Querida filha

Querida filha,

Desde o dia em que soube que estava grávida, tive certeza de que, daquele momento em diante, minha vida se transformaria. Não pela mágica de “ser mãe”, mas porque eu quis que mudasse.

Não tive a gravidez dos “sonhos”. Sofri o pior tipo de abandono que alguém pode sentir: “sozinha-acompanhada”. Numa noite quente, como foram a maioria das noites e dos dias da gestação, chorando mais uma vez, debaixo do chuveiro, te abracei, ainda no meu ventre e tive certeza de que você era um projeto meu e que não havia culpados. Naquele momento decidi me empoderar da minha gravidez e da minha vida enquanto mulher.

E esse empoderamento aconteceu, definitivamente, no dia em que você nasceu. Anestesiada, enganada, sem ter você nos meus braços e sendo carregada para uma sala de espera, onde as mulheres aguardam o passar do efeito da anestesia, olhava ansiosamente para o relógio. “Você só sairá daqui a duas horas, no mínimo.”, me disseram. “Não!”, pensei. Privaram-me do direito de parir como eu gostaria, me negaram o direito de te segurar no momento de seu nascimento e agora queriam adiar meu (re)encontro com você. Não era justo. Em pouco mais de 50 minutos estava de pé, exigindo meu direito de te abraçar, de te alimentar, de te acarinhar e de te dizer: “Pronto! Mamãe está aqui.”.

Tive a oportunidade de aprender a ser mãe integralmente por sete meses. Em meio a palpites, a humilhações, a violência verbal e assédio moral, a separação, a intromissão, a olhares de reprovação, retorno ao trabalho, consegui me manter firme, amamentando exclusivamente por seis meses e até seus dois anos de idade.

Durante o tempo todo em que me dedicava a cuidar de você, entre uma mamada e outra, entre uma noite em claro e outra, eu estudava. Resolvi me armar do que tinha em mãos: informação. Sempre tive a fama de ser “boca dura” e não seria agora, sendo contrariada pela grande maioria das pessoas, que me calaria. Ser mãe me ensinou a militar. Ser mãe me ensinou a ter vontade de me aprofundar naquilo que gosto. Ser mãe me mostrou a importância de ter argumentos embasados. Ser mãe mudou meu modo de enxergar o mundo.

Não me encaixo, nunca me encaixei e nem pretendo me encaixar em modelos. Por muito tempo obedeci, mas hoje sei que não me enquadro. E prefiro assim, diante do que muitos me alertaram que poderia vir pela frente.

Dentre os inúmeros preconceitos velados que passamos, minha filha, o seu cabelo sempre foi o alvo principal. Alisa, penteia, puxa, prende. Seu cabelo, todo cacheado, era e é alvo de olhares e insinuações que, até hoje preferi manter o mesmo padrão de resposta curta e grossa: “o cabelo dela é lindo e vai ficar assim”.

Por algum motivo, talvez da sua própria natureza ou mesmo pelo incentivo que seu pai e eu damos pra você, você simplesmente não suporta adornos ou “disfarces” em cima de sua cabeça. Essa sua rebeldia genética, sua opinião forte já lhe permitem escolher. Porém ontem foi diferente. Ontem você chegou triste da escola, com o olhar baixo, sem aquela empolgação que lhe é cara ao final de cada período letivo.

- “Que foi, filha?”
- “To chateada com meus amiguinhos, mamãe.”
- “Por quê? O que aconteceu?”
- “Eles riram de mim.”
- “Por que riram, meu amor?”
- “Porque meu cabelo é enrolado, é diferente.”

Eu sabia que esse dia ia chegar. Sempre soube que tinha que estar preparada pra esse momento: o dia do preconceito direto. Antes de parir e até um pouco depois, bradava aos quatro ventos que se um dia você adentrasse pela porta, chorando por ter sofrido preconceito, não responderia pelos meus atos. Mas ontem, diante de seu rostinho tristonho, só pude dizer: “Não liga, não, meu amor. Seu cabelo é lindo.”

Muitos me perguntam por que “sou assim”. Por que brigo, por que quero mudar as coisas, por que sou tão ~polêmica~, pra quê ter uma página de ativismo ligada ao futebol e aos movimentos LGBT, feminista e negro, por quê abdiquei de uma carreira bancária/ administrativa para seguir meus ideais. Pra vocês eu respondo: pra poder dar as armas e as ferramentas para minha filha se defender desse tipo de preconceito. Luto para que essas crianças que riram da minha filha não se tornem os vários monstros que vemos por ai. Milito porque não me conformo.

Minha amada filha, seguiremos juntas e firmes. Choraremos sim, em cada batalha perdida, por cada irmã e irmão ferid@s, mas apoiadas uma na outra, continuaremos de pé.

Sei que não sou o modelo de mãe que as pessoas esperam. Sei que não sou nem metade do que gostaria de ser. Sei que ainda falta muito pra chegar aonde desejo. Mas sei o que estou fazendo, pra onde estou indo e porque quero chegar “lá”.

Te amo, nega!

Sua mãe,

Thaís

28/08/2014

4 comentários:

  1. Você como sempre delicada e clara em seus textos! Parabéns por ser essa guerreira e mostrar a sua pequena que ela pode ir longe.
    E estamos juntas, afinal minha sobrinha também tem uma cabeleira que causa tamanha inveja a sua titia aqui.
    E aprender a lidar com pessoas preconceituosas é mesmo difícil, isso eu só tive certeza quando a minha sobrinha nasceu.
    Parabéns mais uma vez... Guerreira!

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    1. Obrigada, Dai!
      Seguiremos todas lindas, cabeludas e fortes!
      Beijo!

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